CONVERSANDO SOBRE DOENÇA DE BEHÇET

Dr(a), o que é Doença de Behçet?

A Doença de Behçet é um tipo de vasculite, onde tanto artérias quanto veias, de diferentes tamanhos, podem ser comprometidas. Isto torna possível o comprometimento de diferentes órgãos e sistemas, entretanto, as manifestações mais comuns ocorrem na pele, mucosas e olhos. 

Há relatos de casos sugestivos de Doença de Behçet desde Hipócrates, mas o dermatologista turco Hulusi Behçet foi quem, em 1937, descreveu a tríade de úlceras orais, úlceras genitais e inflamação ocular como uma única doença. 

Na medida em que os estudos sobre esta doença avançaram, observou-se que a Doença de Behçet é mais comum em países da asiáticos e próximos ao Mar Mediterrâneo, como Japão, China, Coréia, Turquia, Grécia, Israel, Irã e Arábia Saudita. A maior prevalência da Doença de Behçet foi descrita na Turquia: 370 casos por 100mil habitantes, nos demais países citados acima, sua frequência varia de 13 a 30,5 casos por 100mil habitantes, sendo bastante rara em países ocidentais: 0,33 a 0,64 caso por 100mil habitantes.

Homens e mulheres podem ser acometidos por esta vasculite, sendo mais comum o início dos sintomas entre os 25 e 30 anos, porém ela já foi descrita na infância e maturidade. 

A evolução da Doença de Behçet é bastante variável, mas, habitualmente, caracteriza-se por períodos com manifestações inflamatórias agudas intercalados por outros mais calmos.

 

Curiosidade: A Doença de Behçet e a Rota da Seda

Os países onde a Doença de Behçet é mais frequente fazem parte da antiga Rota da Seda- uma faixa que começa no extremo Oriente e se estende ao longo da bacia do Mediterrâneo que serviu de via terrestre para o comércio da região. Ela foi muito utilizada para o comércio entre a China e demais países do Oriente na antiguidade, mas, com o tempo, foi avançando para as regiões onde se encontram a Europa e países árabes na Idade Moderna. Do Oriente saiam especiarias, pedras preciosas, ébano, pérolas e seda, e do Ocidente vinham âmbar, coral, tecidos de lãs, etc. 

Com a descoberta do caminho marítimo para a Índias por Vasco da Gama, em 1498, e, na medida que os europeus passaram a dominar o cultivo do bicho-da-seda e manufatura da seda, esta via terrestre de comércio perdeu a sua importância comercial. No entanto, do ponto de vista histórico, ela é extremamente importante, pois lá ocorreram interações entre diferentes civilizações que marcaram para sempre a história da humanidade.

Existe um livro: “As Maravilhas de Marco Polo”, mais conhecido em português como: “As viagens de Marco Polo”, que descreve as aventuras do mercador veneziano Marco Polo durante suas viagens para a Ásia Central e Extremo Oriente, no século XIII. Neste livro, estão descritas as impressões sobre os lugares visitados, dicas práticas e relatórios das viagens realizadas. Existem dúvidas de que Marco Polo tenha mesmo estado no Extremo Oriente, por falta de documentos e descrição de hábitos e costumes chineses na obra. Mas, de qualquer forma, este livro é considerado um marco na literatura de viagens.

 

Dr(a), como surge a Doença de Behçet?


A origem da Doença de Behçet é desconhecida. 

Alguns estudos correlacionaram a Doença de Behçet com alguns genes que codificam o nosso sistema de histocompatibilidade, sendo o HLA B51 mais frequente entre os indivíduos com esta vasculite. 

Em outras pesquisas, agentes infecciosos têm sido investigados como fatores desencadeantes das manifestações clínicas da Doença de Behçet naqueles geneticamente predispostos. Já foram incluídos na lista alguns sorotipos de estreptococos habitualmente presentes na boca de humanos, o vírus do herpes simples e algumas leveduras usadas na fabricação de alimentos. 

As pesquisas mais recentes sugerem não ser possível identificar um único agente como causador da Doença de Behçet, sendo mais provável haver um estado de hiper-reatividade a estímulos (antígenos) comuns no meio ambiente. Até o momento, acredita-se que desta interação surjam alterações inflamatórias derivadas de uma maior estimulação de células de defesa, com consequente dano as células dos vasos sanguíneos, com potencial desequilíbrio em mecanismos de coagulação.

 

Dra, fale um pouco mais sobre as úlceras orais/ genitais e a inflamação ocular presentes na Doença de Behçet.

As manifestações mais comuns da Doença de Behçet ocorrem na mucosa da boca e região genital, pele e olhos.

As úlceras aftosas orais são a manifestação mais comum e podem anteceder os outros sintomas da doença por anos. Elas costumam ser dolorosas, de tamanho variável, demoram cerca de 10 dias para cicatrizar e não deixam cicatrizes. Já as úlceras genitais são maiores, mais dolorosas que as orais e deixam cicatrizes. Também podem ser observadas lesões ulceradas nas virilhas e próximo a região anal.

Na pele, as lesões mais comuns são o eritema nodoso (um nódulo eritemato-violáceo, bastante doloroso, mais comum em membros inferiores) e a pseudofoliculite (lesões que lembram acne) na face, pescoço e tronco. Também podem ser observadas tromboflebites superficiais, estas consistem em inflamação de veias superficiais dos membros com a formação de coágulos no seu interior.

Quanto ao acometimento ocular, são mais comuns na Doença de Behçet a uveíte anterior (iridociclite) ou a uveíte posterior (coriorretinite), as quais ocorrem em surtos que se não são adequadamente tratados podem levar a perda de acuidade visual mais ou menos acentuada e até cegueira. Como o acometimento ocular pode ser indolor e sem sinais de vermelhidão nos olhos, diante de embaçamento visual persistente aconselha-se consultar um oftalmologista.

 

Quais outras manifestações além da pele, mucosas e olhos podem ocorrer na Doença de Behçet?

Como a Doença de Behçet é uma doença inflamatória autoimune sistêmica, outros órgãos e sistemas, além da pele, mucosas e olhos, podem ser acometidos.

Artralgias e artrites não deformante de grandes articulações são as manifestações musculoesqueléticas mais frequentes.

Podem surgir úlceras ao longo de todo trato gastrintestinal, sendo estas causas de dor abdominal, diarréia, hemorragia digestiva e perfuração de alças intestinais. Estas manifestações são mais comumente relatadas em populações do Extremo Oriente do que no Ocidente.

O sistema nervoso também pode ser acometido na Doença de Behçet, havendo relatos de cefaléia intensa não aliviada com analgésicos comuns, meningite asséptica, paralisia de pares cranianos, distúrbios de equilíbrio e alterações de memória e raciocínio.

Inflamação de vasos sanguíneos com trombose podem ocorrer em veias superficiais da pele, mas também em vasos de maior calibre em membros inferiores, abdome e cabeça.

Outras manifestações vasculares causadas pela inflamação da parede de vasos sanguíneos, com formação de aneurismas foram descritas, mas, felizmente, são mais raros. 

No trato geniturinário, podem ocorrer inflamação dos testículos (orquiepididimite) e mais raramente dos rins (glomerulonefrite).

 

Dr(a), como é feito o diagnóstico da Doença de Behçet?

O diagnóstico da Doença de Behçet é feito diante de sinais e sintomas sugestivos desta vasculite, com o cuidado de excluir outras possíveis causas para os mesmos. Ou seja, até o momento, não existe um exame específico que permita firmar o diagnóstico de Doença de Behçet.

Na investigação de quadros sugestivos, especialmente quando presente úlceras orais e genitais recorrentes e/ou inflamação ocular, uma investigação laboratorial com exames de hemograma, provas de atividade inflamatória, urina I, pesquisa de auto-anticorpos e sorologias para infecções auxiliam na identificação de processos inflamatórios e exclusão de possíveis infecções e outras doenças autoimunes.

Quando houver suspeita de comprometimento vascular mais significativo, bem como comprometimento do trato gastrintestinal, neurológico, cardíaco, pulmonar ou geniturinário, exames específicos direcionados a avaliação destes são necessários, como diferentes métodos de imagem com e sem contraste (ultrasom, tomografia, ressonância magnética, ecocardiograma), endoscopia digestiva alta, colonoscopia e exames de liquor.

Em várias situações, o trabalho do reumatologista em conjunto com outros especialistas (dermatologistas, oftalmologistas, neurologistas, gastroenterologistas, pneumologistas e cardiologistas) é fundamental para o êxito no diagnóstico.

 

E como é feito o tratamento da Doença de Behçet, Dr(a)?

A escolha do tratamento para a Doença de Behçet é feito conforme as manifestações clínicas apresentadas pelo paciente.

As úlceras aftosas orais e genitais podem ser tratadas com corticoides tópicos e cuidados de higiene com antissépticos. No entanto, em algumas circunstâncias, podem ser necessários uso de analgésicos para controle de dor. Quando as lesões ulceradas são recidivantes e prejudicam a qualidade de vida do paciente, com prejuízos para mastigação, deglutição e fala, outras medicações podem ser necessárias, assim como quando as lesões de pele são extensas e recorrentes. Nestes casos, o uso de colchicina e a dapsona pode estar indicado e, em situações especiais, a talidomida.

Os quadros articulares costumam responder bem ao uso de anti-inflamatórios e colchicina, mas, excepcionalmente, pode haver necessidade de uso de corticóides e imunossupressores.

No caso de comprometimento ocular, é fundamental a parceira entre oftalmologistas e reumatologistas, devendo-se individualizar caso a caso o uso de medicamentos tópicos, como corticóide, associados ou não a outros imunossupressores por via oral; em situações especiais, pode estar indicado o uso de terapia imunobiológica (inibidores de TNF).

Quando há comprometimento do trato gastrintestinal, neurológico, pulmonar ou cardíaco, está indicado o uso de corticóides em altas doses, associado a outros imunossupressores, como ciclofosfamida ou azatioprina. Para aqueles sem controle satisfatório com estas medicações, o uso de terapia imunobiológica (inibidores de anti-TNF) é útil.