CONVERSANDO SOBRE PURPURA DE HENOCH-SCHÖNLEIN

Dr(a), a Purpura de Henoch-Schönlein também é uma vasculite?

A Purpura de Henoch-Schönlein é um tipo de vasculite onde se observa a inflamação de vasos de pequeno calibre (capilares, vênulas e arteríolas) associada a presença de depósitos de um tipo de proteína produzida por nossas células de defesa com função de anticorpo, chamada de IgA. 

Em 2012, foi proposto a troca do nome Purpura de Henoch-Schönlein por Vasculite por IgA. Assim como em outras vasculites, a ideia da mudança tem por objetivo ter um nome que se aproxime das principais características observadas nesta vasculite.

A Purpura de Henoch-Schönlein, ou Vasculite por IgA, é a vasculite mais comum na infância e adolescência, sendo mais frequentemente observada em crianças na idade escolar (4 a 8 anos). Sua ocorrência anual é estimada em 13-20 casos/ 100.000, na população com idade abaixo dos 17 anos de idade.  No entanto, raramente, esta vasculite também pode ser vista em adultos (1,3 a 1,4 casos/100.000 habitantes/ ano).

Nas duas primeiras décadas de vida, há uma predileção pelo sexo masculino, observa-se uma frequência de 1,5 a 2 meninos para cada menina com este tipo de vasculite. Já na idade adulta, homens e mulheres são acometidos na mesma frequência.

 

Dr(a), o que causa a Purpura de Henoch-Schönlein?

Ainda não se compreende totalmente os mecanismos envolvidos no surgimento da Purpura de Henoch-Schönlein, ou Vasculite por IgA.

Acredita-se que a Purpura de Henoch-Schönlein ocorra em indivíduos geneticamente predispostos a apresentar uma desorganização no sistema imune que leve a um aumento na produção de IgA. A IgA é uma proteína produzida pelas nossas células de defesa, que tem função de anticorpo e está presente nas nossas vias respiratórias e trato digestivo. 

Esta população geneticamente predisposta pode vir a manifestar a Purpura de Henoch-Schönlein quando exposta a algum fator ambiental que deflagre uma sequência de eventos imunológicos que levem a inflamação vascular.

Alguns fatores têm sido reconhecidos como desencadeantes desta vasculite, são eles: infecções de vias aéreas (resfriados, gripes, amigdalites), alimentos, picadas de inseto, exposição ao frio e exposição a substâncias capazes de causar alergias, como alguns alimentos, medicamentos e vacinas.

 

Dr(a), quais são os sintomas da Purpura de Henoch-Schönlein?

 

A Purpura de Henoch-Schönlein, ou Vasculite por IgA, pode se iniciar de forma aguda ou lenta e gradualmente ao longo de dias ou semanas. 

Febre baixa e mal estar são comuns nas fases iniciais.

A pele é acometida em 100% dos casos, sendo a púrpura palpável a lesão mais típica da doença. Este tipo de lesão surge como uma mancha avermelhada ou violácea, parecendo uma elevação, que pode ser palpada. Elas surgem preferencialmente nas pernas, coxas, glúteos, mas podem ser vistas em tronco, braços, couro cabeludo e face. Elas não são dolorosas, habitualmente não coçam, tendem a surgir e desaparecer de forma cíclica ao longo de 3 a 12 semanas, mas, por fim, somem sem deixar cicatrizes. 

Inchaço difuso de pés e mãos, dores nas articulações, com ou sem edema nas mesmas, ocorrem em mais da metade dos casos. As articulações mais acometidas são os joelhos e tornozelos, algumas vezes ficam tão doloridos que a movimentação fica difícil.

Dentre as manifestações viscerais da Purpura de Henoch-Schönlein, ou Vasculite por IgA, as mais comuns são as do trato digestivo e rins.

O acometimento do trato digestivo é descrito em cerca de 50 a 85% dos pacientes em diferentes estudos, sendo motivo de dor abdominal do tipo cólica, náuseas, vômitos e sangramento intestinal. A presença deste último chama a atenção e exige melhor avaliação e conduta imediata, pois trata-se de uma urgência.

O comprometimento dos rins (nefrite) tem sido descrito numa frequência variável de 10 a 50% dos casos. Na maioria das vezes, a nefrite é leve, sendo notada pela identificação da presença de sangue e proteína no exame de urina, os quais desaparecem em até três meses. Porém, embora raro, a inflamação renal pode persistir e evoluir com dano a função dos rins, surgir mais tardiamente (meses após o início das manifestações da pele) e/ ou recorrer ao longo de anos após o primeiro surto. Sendo assim, é preciso realizar acompanhamento adequado para monitorar a presença ou não de nefrite, a qual pode ser silenciosa.

Em cerca de 2 a 38% dos meninos pode ocorrer inflamação nos vasos sanguíneos do testículo, causando dor e edema local.

E, bem mais raramente, podem ocorrer acometimento do sistema nervoso e pulmões.

 

Dr(a), como é feito o diagnóstico da Purpura de Henoch-Schönlein?

O diagnóstico da Purpura de Henoch-Schönlein, ou Vasculite por IgA, é feito a partir de um conjunto de sinais e sintomas sugestivos desta vasculite, considerando-se a exclusão de outras condições clínicas que possam se apresentar de forma parecida. Dentre estas condições, devem ser lembrados: outros quadros de púrpura que diferente da Vasculite por IgA estão relacionados a plaquetas baixas, quadros infecciosos, outras vasculites sistêmicas e doenças do tecido conjuntivo, como o lúpus eritematoso sistêmico, por exemplo.

Os exames laboratoriais podem revelar alterações inespecíficas como discreta anemia, elevação de células de defesa (leucócitos), provas de atividade inflamatória (VHS- velocidade de hemossedimentação, e PCR – proteína C reativa) elevadas e aumento de IgA. Nos casos com comprometimento renal, podem ser observados sangue e proteínas no exame de urina e, raramente, alteração da função renal.

Em alguns casos, a biopsia de pele pode ser necessária, devendo-se biopsiar a borda de lesões mais recentes para aumentar a produtividade do exame.

Em algumas ocasiões, quando há acometimento renal e não é possível definir com certeza qual tipo de vasculite e/ ou há evolução para perda de função renal, a biopsia renal faz-se necessária.

Diante da suspeita de comprometimento do trato digestivo, exames de imagem como ultrassom, tomografia de abdome, endoscopia e colonoscopia podem ser úteis.

 

Dr(a), como é o tratamento da Purpura de Henoch-Schönlein? Ela tem bom controle?

Na maioria das vezes, o tratamento da Purpura de Henoch-Schönlein, ou Vasculite por IgA, envolve apenas repouso por algumas semanas e uso de analgésicos para controle das queixas de dores articulares. 

É importante observar a presença de fatores desencadeantes e instituir medidas a fim de eliminá-los caso estejam presentes, como uso de antibióticos para infecções, interrupção da exposição a alimentos e medicamentos que possam ter sido o gatilho da vasculite.

As lesões de pele (purpura palpável) não requerem tratamento específico, não havendo benefício em usar antialérgico e/ ou corticóide.

O uso de corticóide associado ou não a outro imunossupressor, como ciclofosfamida, ciclosporina, azatioprina ou micofenolato mofetil, fica reservado para os casos onde se observe comprometimento dos rins, do trato digestivo, dos testículos, do sistema nervoso ou pulmões, devendo ser individualizado caso a caso. Em situações excepcionais, de maior gravidade, o uso de imunoglobulina humana, plasmaferese e rituximabe podem ser úteis.

A grande maioria dos casos Purpura de Henoch-Schönlein na infância e adolescência apresenta boa evolução. No entanto, é possível a ocorrência de nefrite de início tardio e/ ou recorrência da mesma nos anos seguintes. Por este motivo, recomenda-se o acompanhamento com consultas a cada 6 meses acompanhada de exames de sangue e urina por longos anos para certificar da ausência de doença ativa.

Já os adultos apresentam acometimento renal com maior frequência e maior risco de progressão da nefrite, o que exige um acompanhamento mais próximo e ajuste na medicação imunossupressora conforme os sinais de atividade da doença renal.