CONVERSANDO SOBRE VASCULITE ASSOCIADA CRIOGLOBULINEMIA MISTA
Dr(a), que tipo de vasculite é essa associada a Crioglobulinemia Mista?
A vasculite associada a crioglobulinemia mista é um tipo de inflamação que acomete os pequenos vasos da nossa circulação, com ampla possibilidade de manifestações clínicas e gravidade variável.
Este tipo de vasculite está associado a presença de certo tipo de anticorpo (imunoglobulina) do sangue que, em baixas temperaturas, formam um agregado entre si e se precipitam, e, quando aquecidas, se tornam solúveis novamente. É por causa desta característica que este tipo de imunoglobulina recebeu o nome de crioglobulina (do grego krúos, -eos, frio, frio do gelo).
Este tipo de vasculite é bastante raro, sua prevalência estimada é de um caso para cada 100.000 habitantes, com início dos sintomas entre a terceira e quinta décadas de vida, sendo a sua ocorrência mais frequente em mulheres, numa proporção de 3 mulheres para cada homem com Vasculite associada a Crioglobulinemia Mista.
Dr(a), quais são as causas de Vasculite associada a Crioglobulinemia Mista?
As causas da Vasculite associada a Crioglobulinemia Mista ainda não estão bem esclarecidas.
No entanto, foi observado que a maioria dos pacientes (> 70%) com este tipo de vasculite apresenta positividade para o vírus da hepatite C (HCV). O HCV tem uma proteína na sua estrutura muito parecida com algumas imunoglobulinas humanas, o que poderia levar a produção de crioglobulinas em excesso e, consequentemente, desencadear inflamação.
As crioglobulinas também foram descritas em outras situações, como na hepatite B, HIV, algumas doenças hematológicas (ex: anemia de Waldestron, mieloma múltiplo) e reumatológicas (ex: Síndrome de Sjögren e lupus eritematoso sistêmico).
No entanto, vale lembrar que a identificação da presença de crioglobulinas no sangue não significa que o indivíduo tenha este tipo de vasculite, para o diagnóstico é preciso ter um quadro clínico sugestivo de inflamação de pequenos vasos sanguíneos.
Dr(a), quais são os sintomas da Vasculite associada a Crioglobulinemia Mista?
O principal órgão acometido pela Vasculite associada a Crioglobulinemia Mista é a pele. Nela podem ser observadas manchas vermelhas ou violáceas perceptíveis ao toque conhecidas como púrpura palpável. Estas manchas se localizam com maior frequência nas pernas, mas podem surgir em outros locais também. Em alguns casos podem surgir úlceras na pele e isquemia de extremidades levando a gangrena de dedos.
Queixas de dores articulares com ou sem edema nas articulações são comuns.
O comprometimento de nervos periféricos pode ser notado em metade dos pacientes, sendo este o motivo de queixas de perda de sensibilidade, formigamento e/ ou dor. O acometimento do sistema nervoso central (cérebro) pode ocorrer, mas é bem raro.
Os rins podem ser acometidos em 20-30% dos casos, onde a inflamação leva a perda de sangue e proteína na urina, sendo possível a evolução para perda de função renal.
O aumento do fígado com elevação das suas enzimas é comum (90% dos casos), sendo que 25% podem apresentar cirrose com o tempo.
Mais raramente, podem ocorrer: inflamação dos vasos do intestino levando a isquemia intestinal, comprometimento dos pulmões (fibrose e hemorragia), coração (inflamação das coronárias causando isquemia, lesão das válvulas cardíacas, inflamação do pericárdio e insuficiência cardíaca).
Dr(a), como é feito o diagnóstico da Vasculite associada a Crioglobulinemia Mista?
O diagnóstico da Vasculite associada a Crioglobulinemia Mista é feito a partir de um quadro clínico sugestivo associado a alterações laboratoriais e biopsia de local acometido com achados compatíveis. Ou seja, é análise de um conjunto de fatores que permite firmar o diagnóstico.
Dentre os exames laboratoriais, é fundamental a identificação da presença das crioglobulinas, cuja pesquisa exige técnica de coleta de sangue e seu processamento de forma adequada.
O hemograma pode evidenciar ou não anemia e alteração nas células de defesa, mas as plaquetas estão normais. Elevação das provas de inflamação (velocidade de hemossedimentação, proteína C reativa) podem ser observadas. O fator reumatóide pode ser positivo e o complemento (uma outra medida de inflamação) pode estar diminuído.
Diante da forte associação da Vasculite associada a Crioglobulinemia Mista com o vírus da hepatite C, a pesquisa deste deve sempre ser solicitada, assim como exames para avaliar a função do fígado (em especial, as transaminases).
Os exames de uréia, creatinina e urina I são úteis para a avaliar a presença de comprometimento renal; em situações especiais, a biopsia renal deve ser considerada.
Na suspeita de acometimento de nervos periféricos, o exame de eletroneuromiografia é útil para esta investigação.
A biopsia das lesões de púrpura palpável auxilia na confirmação da presença de inflamação acometendo os pequenos vasos (vênulas) da pele.
Curiosidade sobre a coleta de sangue para a realização da pesquisa de crioglobulinas
Muitas vezes, quando peço o exame de crioglobulina, escuto de meus pacientes não ter sido fácil achar um lugar para fazer o exame ou se surpreenderam de grandes laboratórios só realizarem o exame em determinadas unidades, exigindo seu deslocamento para realiza-lo em locais mais distantes.
Mas isto tem um motivo. Lembram-se que mencionei no primeiro post sobre Vasculite associada a Crioglobulinemia Mista que as crioglobulinas são um tipo de anticorpo (imunoglobulina) do sangue que, em baixas temperaturas, formam um agregado entre si e se precipitam, e, quando aquecidas, se tornam solúveis novamente?
Pois então, para evitar resultados duvidosos, imediatamente após a coleta, o sangue deve ser armazenado, transportado e seu soro separado num ambiente com temperatura a 37°C.
Ou seja, é preciso uma estrutura específica para a coleta e processamento do sangue para que se obtenha um resultado confiável, o que nem sempre é disponível e viável de ser implantado em toda unidade de laboratório.
Dr(a), comente sobre o tratamento da Vasculite associada a Crioglobulinemia Mista.
O tratamento da Vasculite associada a Crioglobulinemia Mista depende da gravidade dos seus sinais e sintomas.
Casos leves desta vasculite associados ao vírus da hepatite C respondem ao tratamento específico com antivirais direcionados a este vírus, sendo o uso de corticóide útil em alguns casos.
Já na presença de acometimento visceral, renal, pulmonar e/ou neurológico, o uso de corticoterapia associada a terapia imunossupressora (ciclofosfamida, micofenolato) é útil. Em casos mais graves com risco de morte, a plasmaferese (um tipo de filtragem do sangue para eliminar as proteínas e anticorpos envolvidos na inflamação através de uma máquina) pode ser indicada. O uso de terapia antiviral para tratamento do vírus da hepatite C está sempre indicado nestes casos quando a presença deste vírus for identificada, no entanto, o momento do início da terapia antiviral é feito caso a caso, a depender do estado clínico do paciente.
É importante ressaltar a importância da abordagem multidisciplinar dos indivíduos com este tipo de vasculite, que envolve a participação de diferentes especialidades médicas (reumatologistas, infectologistas, hepatologistas), além do suporte de diferentes áreas paramédicas (nutricionistas, enfermeiros, fisioterapeutas).